segunda-feira, 29 de abril de 2013

|Provador de roupas|

               Primeiro eu vi os pés dela. Nós estávamos numa dessas lojas de shopping onde as cabines são unisex e ela estava provando jeans. A vendedora ia e voltava com 3 calças por vez e a primeira coisa que eu vi foram os pés dela por baixo da porta da cabine. Não eram pés estranhos, eram bem normais com exceção de que eram extremamente brancos. Isso me dizia que ela não ia à praia há pelo menos 3 meses, o tempo que a pele demora pra voltar a cor original ou que ela trabalhava muito em lugares fechados, talvez com ar-condicionado. Ela podia estar estressada com a vendedora que dizia "Oh, nossa! Você fica linda com essas calças.", eu não poderia dizer. A única coisa que eu sei é que a primeira coisa que eu vi foram seus pés brancos.
               Eu estava sentado enquanto minha irmã escolhia uma jaqueta de couro escuro e recusava o cartão da loja, eu estava sentado enquanto olhava aqueles pés. Ela não era alta, os pés me diziam. Ela não gostava de se relacionar com pessoas, os pés me diziam. Ela iria até a livraria depois dali e buscaria um título curioso, veria os livros sobre medicina e compraria um. O atendente da livraria daria em cima dela, elogiaria seus dentes e seus olhos e ela coraria pra não deixá-lo tão mal mas iria embora sem trocar nomes nem outra palavra, os pés me diziam. Eu devia estar com um olhar vidrado em seus pés embora não pudesse contar seus dedos, de fato eu demorei a perceber que a porta da cabine estava aberta e ela estava de calcinha. Ela estava de calcinha olhando pra mim. E por um segundo, por descuido ou cansaço ou sono ela não fechou a porta e nós nos olhamos. Ela estava de calcinha com seus pés brancos olhando dentro do meu olho, poderia ter lido minha mente e discordado com tudo que os pés me disseram, talvez ela saísse com o atendente da livraria e tomaria vinho. Talvez ela lhe dissesse, entre a segunda e a terceira taça, que não poderia mais amar e que ele perderia o tempo amargurado se perguntando por quê, ele se desesperaria por algumas semanas e começaria a beber comprometendo seu emprego. Ele deixaria de se importar e fim. BAM! A porta fecha, minha irmã aparece falando blá blá blá e eu não consigo mais olhar seus pés. O que eles me diriam? O que falariam de mim por aí pra outra pessoa?
               Ela não saiu, ela trancou a cabine e não respondeu à vendedora. Ela se sentia mal por um estranho ter visto seus pés brancos, suas pernas finas e sua calcinha. Eu fechei os olhos e os pés cochichavam por baixo da porta mas eu não conseguia ouvi-los, então decidi sair dali antes que ela passasse fome porque eu sabia que ela via minha sombra pela fresta da porta (ouvi seus pés dizendo entre um cochicho e outro).

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