terça-feira, 30 de abril de 2013

Filho duma puta

               Filho duma puta! Filho duma puta trabalhadora, diga-se bem. Creio que a mãe do cara trabalhava duas esquinas da minha rua e na escola o apelido dele era "Filho duma puta". Os professores riam na sala dos professores porque dois deles já tinham comido a mãe do filho da puta e a escola toda sabia. Como se não bastasse ser Filho da puta, ele apanhava toda quinta-feira na saída da escola por 5 garotos mais velhos do ensino médio, ninguém queria ser associado ao Filho da puta, então, as pessoas fingiam não enxergar nada. Era estranhíssimo como depois da surra ele levantava, batia na roupa, catava os óculos do chão (comprados com o dinheiro de uma foda, provavelmente) e seguia pra casa como se nada tivesse acontecido. Ele não chorava. Ele não se descabelava. Não gritava. Ele sacudia a roupa e rumava pra casa.
               No começo, eu ficava frustrado com o Filho da puta, porque ele simplesmente não existia. Estudava, apanhava. Estudava, Filho da puta. Estudava e ia pra casa e apanhava no caminho e batia na roupa e ia pra casa. Eu queria que ele tentasse revidar, que enfiasse um soco no nariz de um daqueles caras e mostrasse que estava ali e que não queria apanhar. Eu queria saber se o Filho da puta sabia socar tão bem quanto os caras que socavam na mãe dele. Mas ele apenas não se mexia.
               Houve uma quinta em que o Filho da puta não apareceu na escola e essa era a única notícia que importava. Alguns diziam que ele tinha se enforcado no banheiro, outros diziam que tinha sido na cozinha como Ian Curtis, eu duvidava de ambas. Pra mim, o Filho da puta não tinha se matado porque ele não era capaz, mas gostaria de ser. Então toda quinta ele tentava morrer surrado e não conseguia. A escola era um inferno naqueles dias, sua mãe não suspeitava.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

|Provador de roupas|

               Primeiro eu vi os pés dela. Nós estávamos numa dessas lojas de shopping onde as cabines são unisex e ela estava provando jeans. A vendedora ia e voltava com 3 calças por vez e a primeira coisa que eu vi foram os pés dela por baixo da porta da cabine. Não eram pés estranhos, eram bem normais com exceção de que eram extremamente brancos. Isso me dizia que ela não ia à praia há pelo menos 3 meses, o tempo que a pele demora pra voltar a cor original ou que ela trabalhava muito em lugares fechados, talvez com ar-condicionado. Ela podia estar estressada com a vendedora que dizia "Oh, nossa! Você fica linda com essas calças.", eu não poderia dizer. A única coisa que eu sei é que a primeira coisa que eu vi foram seus pés brancos.
               Eu estava sentado enquanto minha irmã escolhia uma jaqueta de couro escuro e recusava o cartão da loja, eu estava sentado enquanto olhava aqueles pés. Ela não era alta, os pés me diziam. Ela não gostava de se relacionar com pessoas, os pés me diziam. Ela iria até a livraria depois dali e buscaria um título curioso, veria os livros sobre medicina e compraria um. O atendente da livraria daria em cima dela, elogiaria seus dentes e seus olhos e ela coraria pra não deixá-lo tão mal mas iria embora sem trocar nomes nem outra palavra, os pés me diziam. Eu devia estar com um olhar vidrado em seus pés embora não pudesse contar seus dedos, de fato eu demorei a perceber que a porta da cabine estava aberta e ela estava de calcinha. Ela estava de calcinha olhando pra mim. E por um segundo, por descuido ou cansaço ou sono ela não fechou a porta e nós nos olhamos. Ela estava de calcinha com seus pés brancos olhando dentro do meu olho, poderia ter lido minha mente e discordado com tudo que os pés me disseram, talvez ela saísse com o atendente da livraria e tomaria vinho. Talvez ela lhe dissesse, entre a segunda e a terceira taça, que não poderia mais amar e que ele perderia o tempo amargurado se perguntando por quê, ele se desesperaria por algumas semanas e começaria a beber comprometendo seu emprego. Ele deixaria de se importar e fim. BAM! A porta fecha, minha irmã aparece falando blá blá blá e eu não consigo mais olhar seus pés. O que eles me diriam? O que falariam de mim por aí pra outra pessoa?
               Ela não saiu, ela trancou a cabine e não respondeu à vendedora. Ela se sentia mal por um estranho ter visto seus pés brancos, suas pernas finas e sua calcinha. Eu fechei os olhos e os pés cochichavam por baixo da porta mas eu não conseguia ouvi-los, então decidi sair dali antes que ela passasse fome porque eu sabia que ela via minha sombra pela fresta da porta (ouvi seus pés dizendo entre um cochicho e outro).

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Cinco latas de Bud

               Cinco latas de Bud foram suficientes pra eu começar a falar com a vista, ela indagava, questionava, suplicava pra eu explicar o porquê das minhas idas e vindas até aquele lugar. Eu costumava ignorar e apenas apreciá-la como um surdo e mudo. Hoje, eu praticamente gritei porque ela realmente me deixou louco, a fotografia. Está bem, não era fotografia nenhuma mas dá o mesmo sentimento, o tempo para nas fotografias assim como quando você olha dentro do seu corpo e entra num transe louco, seu corpo não é seu e nem de ninguém, é só um corpo. Você viaja pela coluna, veias e artérias, encontra seu próprio pescoço e por fim, a mente. Mente. Mente e finge estar feliz, mente e finge gostar. Você só sabe mentir. Eu não entendo. Simplesmente não, mas você é realmente boa nisso.
               Passar a tarde não foi tão difícil porque o sol ajudou, ele estava agradável, tanto que parecia sentir pena. Não havia tantas pessoas na rua mas todos pareciam sentir pena: o porteiro, o motorista de ônibus, o sol. Que desespero! O pior de tudo é o sentimento de culpa, essa é a verdade. Tinha esse casal num momento super romântico, grande besteira. Eles não precisavam de alguém falando sozinho ali perto, mas quem se importava com o que eles precisavam? Eu cheguei primeiro, eu dito as regras. Contudo, o sentimento de culpa ainda estava lá, sentado do meu lado e me olhando feio como quem diz "Seu mal-amado desgraçado, vá se foder!". Nem preciso dizer que fingi não ver sentimento nenhum assim como finjo não sentir qualquer outro.
               A culpa em si dói mais ainda quando se está andando sozinho porque as ideias trabalham de uma forma mais elaborada e tudo se intensifica, a tontura, a tortura. Você passa pelas pessoas geralmente de cabeça baixa preocupado em não tropeçar nos pés e quando levanta a cabeça só encontra olhos acusadores. "Porra!" não parece ter fim, a cobradora diz que vai te dar o troco mais tarde porque você não tinha 15 centavos e você é obrigado a sentar perto dela como que por pressão de ela estar com o dinheiro do próximo ônibus. Ela me olha de canto de olho de 5 em 5 minutos e eu não consigo relaxar e meu pescoço fica duro e eu só queria dar uma boa mijada.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Tomo-me por amargurado sempre que o café some da caneca. (nem sempre, só quando respiro.)

               Vou pingando água no chão preparando a chaleira. Você já lavou alguma chaleira, leitor? É um saco e extremamente cansativo porque assim como corpo de uma mulher, tem várias curvas que na chaleira são desnecessárias, não na mulher. Depois de tudo, ainda vem o tempo inacreditavelmente longo até a água ebulir em que se espera de braço cruzado em frente ao fogão com ar daquele tédio visto em filmes ruins, a única diferença é que eu não puxo o fumo. Já deu 15 minutos e as bolhas saltitam dentro da chaleira: Voilá!
               Hora de preparar o coador, a jarra e o auto-controle pra não queimar a mão de propósito pela vez que já perdi a conta. Conheço bem a dor e ela conhece-me melhor ainda: nós somos amigos, eu e ela. Às vezes eu preciso dela e toda dor precisa de alguém. É como imaginar um assaltante que precisa de um assaltado ou um Deus que precisa de endeusadores ou putas que precisam de uma avenida. São coisas que precisam de outras pra existir e independente de querer ou não ou talvez, existem. A garrafa térmica está pronta, fecho a tampa e me sinto bem, não só pelo cheiro de café no ar ou pelas gotas na pia que vazaram, mas porque não queimei minha mão pelo fato de que trouxe de uma feira essa luva pra cozinhar por puro charme (pensei e foi além disso!) assim como la toque (essa por puro charme mesmo pois não cozinho com frequência.)  A fumaça ainda sobe até o teto enquanto encho a caneca com proporções grandes, lembre-se, proporções grandes: veja bem, por pura preguiça! Diabos ter que ir na cozinha de hora em hora pra poder beber o que for: água, cachaça, café. 
               E a grande questão é: QUEM DIABOS BEBEU O MEU CAFÉ? Porque eu simplesmente não lembro de ter dado um gole e ele desapareceu enquanto eu escrevia. 

               Lá se vai a inspiração junto com a vontade de molhar o pico. Inspiração? Tenho contos pela metade e livros abandonados, histórias mal contadas (ou seja, como essa) e poemas pobríssimos, por conta da falta de sono? Por conta de eu não estar acordado e nem dormindo ou só por falta de jeito?

terça-feira, 23 de abril de 2013

você em meio a mim

que caia no esquecimento
e que entristeça outra gente
alguém que mente
alguém contente

vê se me esquece
conquanto eu não queira
nem dessa e nenhuma maneira
nem dessa
maneira
costumeira

quarta-feira, 17 de abril de 2013

É um tipo de explicação sobre alguma frustração.

Sabe, nós estamos morando juntos há mais ou menos 2 anos e eu ainda não tenho certeza se a amo de volta. É algo que deveria ser importante, seria bom poder acordar e dizer "eu te amo" sem a pressão da mentira esmagando minha cabeça. Ela não sabe e eu gostaria que nunca soubesse mas precisa ser dito.
Isso me lembra, o fato do amor ser importante, a história daquele triângulo amoroso de Cuiabá em que haviam aqueles dois caras que não suportavam um ao outro até que descobriram amar a mesma garota cujos cabelos curtos participavam dos sonhos de ambos, ela era indecisa e eles tornaram-se flexíveis e tudo foi possível até onde eu soube, pelo menos.
Semana passada ela escreveu num cartão que eu estou distante e que eu não sei lidar com relacionamentos e eu tenho carregado no bolso esse bilhete desde então, ela tem razão e é horrível admitir isso. Nós nos conhecemos de uma forma agradável e hoje isso não parece fazer sentido, nem mesmo o fato de não estarmos nos comunicando como antes. Eu gostaria de me entender e gostaria que ela também o fizesse.