domingo, 29 de dezembro de 2013

Não recordo o nome do lugar em que se passa

Era a bailarina.
Eu lembraria dos movimentos de suas mãos mesmo que não as mexesse ao pedir o café preto. Era bem verdade que até ali eu nunca havia me interessado tanto por mãos, mas eu lembraria das dela por toda uma vida. Apaixonei-me por seus movimentos há duas semanas enquanto assistia ao ballet, ela dançava the swan e lembro-me que era a única coisa que importava. Pelos minutos que a música levou do início ao fim, eu estava hipnotizado, fora de mim. Seus longos braços lançavam os mais puros movimentos, invejados pelas ondas do mar, leitor, porque faziam qualquer sujeito chorar. Ela lia o jornal e não me notava, o meu jeito desajeitado passava longe de ser belo ou notório e ela lia o jornal como já lhe disse, conquanto nunca haveria de me notar. Não que eu quisesse, não acredito que poderia manter-me sóbrio enquanto conversasse com ela, parecia-me impossível.
Todavia, dei-me num sonho vivo, enquanto acordado com meu próprio café a caminho da boca, já com biquinho e tudo; numa cena dessas, totalmente patético, encontrava-me sonhando alto, eu diria. Ela dançava pra mim num estúdio bem iluminado, só pra mim, não poderia dividi-la com outra pessoa, com outros olhos apaixonados porque ela só precisa dos meus. Nessa hora eu deixaria de existir, e ela trazendo-me toda beleza resumida num bater incomum de asas com seus braços marcaria a minha partida.